sábado, 15 de outubro de 2011

Imortal? Qual a vantagem?


Ao ler o livro Emílo, ou, Da educação; um ponto foi muito provocativo, momento em que Jean-Jacques Rousseau fala sobre a vida, a morte e a imortalidade. "Se tivessem tido a infelicidade de nascerem imortais, seriam os mais miseráveis dos seres: uma vida que jamais tivessem medo de perder não teria para elas nenhum valor." (ROUSSEAU, 2004, pg. 35). O autor ainda completa dizendo que para o homem sábio a morte é apenas uma razão para suportar os sofrimentos da vida, pois “se não estivéssemos certos de perdê-la um dia, seria muito difícil conservá-la.” (ROUSSEAU, 2004, pg. 77).
Jean-Jaques faz esse relato, pois refere-se todo instante a necessidade da criança de viver solta, livre, sem "amarras", sem estar presa, para que assim possa aprender com a vida, com seu preceptor e sua ama de leite, dessa forma cabe a critica aos médicos e a medicina, pois esta seria até útil para alguns homens, porém seria cruel para o gênero humano, uma vez que "o homem sabe sofre com firmeza e morre em paz. São os médicos com suas receitas, os filósofos com seus preceitos, os padres com suas exortações que aviltam seu coração e o fazem desaprender a morrer." (ROUSSEAU, 2004, pg. 36).
É fato que morremos um pouco a cada dia, mas muitas vezes não nos damos conta disto, porém Jean-Jaques, como autor do Romantismo, não tem a ideia de morte como seu principal foco, pelo contrário, ele admira a vida e em todo seu discurso em Emílio existe uma preservação desta, porém na vida moderna desaprendemos que estamos em todos os momentos morrendo um pouco, deixa-se de dar o devido valor a vida e a educação e ainda MONTAIGNE (2002) reforçará que só temos proveito nos estudos quando nos tornamos melhores e mais sensatos.
O Rousseau relata que ao adquirirmos força ao longo da vida evitaremos o esgotamento do corpo proporcionado pela intemperança, além disso;
 "tornamo-nos menos inquietos, menos agitados e fechamo-nos mais em nós mesmos. A alma e o corpo colocam-se, por assim dizer, em equilíbrio, e a natureza não nos exige mais do que o movimento necessário para nossa conservação" (ROUSSEAU, 2004, pg.57). 
Porém para esse processo ser completo necessita-se de um bom preceptor e para isso ainda podemos relembrar Michel de Montaigne, pois para ele o bom preceptor necessita pedir "contas não apenas das palavras de sua lição, mas sim do sentimento e da substância, e que julgue sobre o benefício que tiver feito não pelo testemunho de sua memória e sim pelo de sua vida" (MONTAIGNE, 2002, pg. 225).
Chega-se nesse momento a um ponto crucial de discussão, pois Jean-Jaques relata que "um homem que vive dez anos sem médicos vive mais para si mesmo e para os outros do que aquele que vive trinta anos como vítima deles." (ROSSEAU, 2004, pg. 37). Montaigne ainda dirá que filosofar é aprender a morrer, uma vez que “estudo e a contemplação retiram nossa alma para fora de nós e ocupam-na longe do corpo, o que é um certo aprendizado e representação da morte(...)” (MONTAIGNE, 2002, pg. 120). E ainda completa dizendo que quem ensinasse os homens a morrer, na verdade, estaria ensinando-os a viver.
Portanto, o que seria a vida? O que vale mais na vida? De que sustenta-se a formação humana nos dias de hoje? O que transforma um homem em um cidadão nessa visão romântica? Pode-se nesse momento traçar mais um paralelo com Montaigne:

"As abelhas sugam das flores aqui e ali, mas depois fazem o mel, que é todo delas: já não é tomilho nem manjerona. Assim também as peças emprestadas de outrem ele irá transformar e misturar, para construir uma obra toda sua: ou seja, seu julgamento. Sua educação, seu trabalho e estudo visam tão-somente a formá-lo" (MONTAIGNE, 2002, pg. 227).

Percebemos nesses pequenos trechos uma similaridade entre Rousseau e Montaigne, apesar da diferença de épocas entre os dois, o primeiro viveu de 1712 até 1778, já o segundo 1533 até 1592, um suíço e outro francês, mas ao mesmo tempo uma extrema preocupação com uma formação humana muito mais humanitária do que apenas para simplesmente ensinar as crianças a contar, ler, escrever e posteriormente trabalhar, uma formação muito mais profunda, a qual percebe-se a fragilidade da vida e entende-se que para a criança evoluir necessitá-se de experiências, aprendizados e principalmente saber utilizar os aprendizados durante a vida para uma maior evolução pessoal.

Jean-Jaques Rousseau



Michel de Montaigne















Suas proximidades podem ainda ser referenciadas através do livro II de ROUSSEAU (2004), o qual este cita Montaigne dizendo que quanto mais domarmos as crianças com relação ao sofrimento, mais o protegeremos contra as estranhezas e mais tornaremos sua alma dura e invulnerável, assim sendo não basta ensinar o seus nomes para as crianças, “mas sim fazendo-as prová-las, sem que saibam o que seja”  (ROUSSEAU, 2004, p. 158).
Rousseau (2004) diz que o hábito que devemos deixar que a criança adquira é o de não contrair nenhum, dessa forma coloca-se a criança em condições de ser senhora de si mesma e de fazer em todas as coisas a sua vontade, sempre que tiver vontades, já Montaigne relata que para esse processo de educação não merece educar as crianças para apenas acumular as ideias "não há nada como aliciar o apetite e a afeição; de outra forma fazemos apenas burros carregadores de livros. A golpes de chicote, dão-lhes para guardar a bolsinha cheia de ciência - a qual, para ser eficaz, não deve somente ser guardada em casa; é preciso desposá-la" (MONTAIGNE, 2002, pg. 265).
A pergunta que persiste é: qual a formação humana que queremos para nossas crianças? Afinal "viver não é respirar é agir [...] o homem que mais viveu não é o que contou maior número de anos, mas aquele que mais sentiu a vida." (ROUSSEAU, 2004, p. 16). MONTAIGNE (2002) alerta que a nossa visão é limitada com relação a imensidão do mundo, portanto existe a necessidade de perceber que as verdades sempre serão provisórias, que tudo é finito, que saber morrer liberta-nos de imposições e sujeições, que a morte é o objeto em nossa caminhada é um objeto necessário em nossa vida.
Qual é a forma que estamos sentindo a vida hoje? E qual é a forma que iremos ensinar nossas crianças a sentirem a vida? Utilizaremos de médicos, filósofos, padres, educadores, para camuflar as realidades da vida para nossas crianças? Ou iremos mostrar como é a realidade, deixar saber das belezas da vida e mostrar que existe a morte? Ainda poderemos mostrar que entre a vidAMORte existe o amor, "cum res animum occupavere, verba ambiunt" (Quando as coisas invadirem o espírito, as palavras apresentam-se em grande quantidade.") (MONTAIGNE, 2002, pg.253).

REFERÊNCIAS
MONTAIGNE, Michel de. Os Ensaios: livro I; tradução Rosemary Costhelk Abílio, 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emilio, ou, Da educação. 3. ed. São Paulo: Difel, 2004.

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