Ao ler o livro Emílo, ou, Da
educação; um ponto foi muito provocativo, momento em que Jean-Jacques Rousseau
fala sobre a vida, a morte e a imortalidade. "Se tivessem tido a
infelicidade de nascerem imortais, seriam os mais miseráveis dos seres: uma
vida que jamais tivessem medo de perder não teria para elas nenhum valor."
(ROUSSEAU, 2004, pg. 35). O autor ainda completa dizendo que para o homem sábio
a morte é apenas uma razão para suportar os sofrimentos da vida, pois “se não
estivéssemos certos de perdê-la um dia, seria muito difícil conservá-la.” (ROUSSEAU,
2004, pg. 77).
Jean-Jaques faz esse relato,
pois refere-se todo instante a necessidade da criança de viver solta, livre,
sem "amarras", sem estar presa, para que assim possa aprender com a
vida, com seu preceptor e sua ama de leite, dessa forma cabe a critica aos
médicos e a medicina, pois esta seria até útil para alguns homens, porém seria
cruel para o gênero humano, uma vez que "o homem sabe sofre com firmeza e
morre em paz. São os médicos com suas receitas, os filósofos com seus
preceitos, os padres com suas exortações que aviltam seu coração e o fazem
desaprender a morrer." (ROUSSEAU, 2004, pg. 36).
É fato que morremos um pouco a
cada dia, mas muitas vezes não nos damos conta disto, porém Jean-Jaques, como
autor do Romantismo, não tem a ideia de morte como seu principal foco, pelo
contrário, ele admira a vida e em todo seu discurso em Emílio existe uma
preservação desta, porém na vida moderna desaprendemos que estamos em todos os
momentos morrendo um pouco, deixa-se de dar o devido valor a vida e a educação
e ainda MONTAIGNE (2002) reforçará que só temos proveito nos estudos quando nos
tornamos melhores e mais sensatos.
O Rousseau relata que ao
adquirirmos força ao longo da vida evitaremos o esgotamento do corpo
proporcionado pela intemperança, além disso;
"tornamo-nos menos inquietos, menos
agitados e fechamo-nos mais em nós mesmos. A alma e o corpo colocam-se, por
assim dizer, em equilíbrio, e a natureza não nos exige mais do que o movimento
necessário para nossa conservação" (ROUSSEAU, 2004, pg.57).
Porém para esse processo ser
completo necessita-se de um bom preceptor e para isso ainda podemos relembrar
Michel de Montaigne, pois para ele o bom preceptor necessita pedir "contas
não apenas das palavras de sua lição, mas sim do sentimento e da substância, e
que julgue sobre o benefício que tiver feito não pelo testemunho de sua memória
e sim pelo de sua vida" (MONTAIGNE, 2002, pg. 225).
Chega-se nesse momento a um
ponto crucial de discussão, pois Jean-Jaques relata que "um homem que vive
dez anos sem médicos vive mais para si mesmo e para os outros do que aquele que
vive trinta anos como vítima deles." (ROSSEAU, 2004, pg. 37). Montaigne
ainda dirá que filosofar é aprender a morrer, uma vez que “estudo e a
contemplação retiram nossa alma para fora de nós e ocupam-na longe do corpo, o
que é um certo aprendizado e representação da morte(...)” (MONTAIGNE, 2002, pg.
120). E ainda completa dizendo que quem ensinasse os homens a morrer, na
verdade, estaria ensinando-os a viver.
Portanto, o que seria a vida? O
que vale mais na vida? De que sustenta-se a formação humana nos dias de hoje? O
que transforma um homem em um cidadão nessa visão romântica? Pode-se nesse
momento traçar mais um paralelo com Montaigne:
"As
abelhas sugam das flores aqui e ali, mas depois fazem o mel, que é todo delas:
já não é tomilho nem manjerona. Assim também as peças emprestadas de outrem ele
irá transformar e misturar, para construir uma obra toda sua: ou seja, seu
julgamento. Sua educação, seu trabalho e estudo visam tão-somente a
formá-lo" (MONTAIGNE, 2002, pg. 227).
Percebemos nesses pequenos
trechos uma similaridade entre Rousseau e Montaigne, apesar da diferença de
épocas entre os dois, o primeiro viveu de 1712 até 1778, já o segundo 1533 até
1592, um suíço e outro francês, mas ao mesmo tempo uma extrema preocupação com
uma formação humana muito mais humanitária do que apenas para simplesmente
ensinar as crianças a contar, ler, escrever e posteriormente trabalhar, uma
formação muito mais profunda, a qual percebe-se a fragilidade da vida e
entende-se que para a criança evoluir necessitá-se de experiências,
aprendizados e principalmente saber utilizar os aprendizados durante a vida
para uma maior evolução pessoal.
Jean-Jaques Rousseau |
Michel de Montaigne |
Suas proximidades podem ainda
ser referenciadas através do livro II de ROUSSEAU (2004), o qual este cita
Montaigne dizendo que quanto mais domarmos as crianças com relação ao
sofrimento, mais o protegeremos contra as estranhezas e mais tornaremos sua
alma dura e invulnerável, assim sendo não basta ensinar o seus nomes para as
crianças, “mas sim fazendo-as prová-las, sem que saibam o que seja” (ROUSSEAU, 2004, p. 158).
Rousseau (2004) diz que o hábito
que devemos deixar que a criança adquira é o de não contrair nenhum, dessa
forma coloca-se a criança em condições de ser senhora de si mesma e de fazer em
todas as coisas a sua vontade, sempre que tiver vontades, já Montaigne relata
que para esse processo de educação não merece educar as crianças para apenas
acumular as ideias "não há nada como aliciar o apetite e a afeição; de
outra forma fazemos apenas burros carregadores de livros. A golpes de chicote,
dão-lhes para guardar a bolsinha cheia de ciência - a qual, para ser eficaz,
não deve somente ser guardada em casa; é preciso desposá-la" (MONTAIGNE,
2002, pg. 265).
A pergunta que persiste é: qual
a formação humana que queremos para nossas crianças? Afinal "viver não é
respirar é agir [...] o homem que mais viveu não é o que contou maior número de
anos, mas aquele que mais sentiu a vida." (ROUSSEAU, 2004, p. 16). MONTAIGNE
(2002) alerta que a nossa visão é limitada com relação a imensidão do mundo,
portanto existe a necessidade de perceber que as verdades sempre serão
provisórias, que tudo é finito, que saber morrer liberta-nos de imposições e
sujeições, que a morte é o objeto em nossa caminhada é um objeto necessário em
nossa vida.
Qual é a forma que estamos
sentindo a vida hoje? E qual é a forma que iremos ensinar nossas crianças a
sentirem a vida? Utilizaremos de médicos, filósofos, padres, educadores, para
camuflar as realidades da vida para nossas crianças? Ou iremos mostrar como é a
realidade, deixar saber das belezas da vida e mostrar que existe a morte? Ainda
poderemos mostrar que entre a vidAMORte existe o amor, "cum res animum
occupavere, verba ambiunt" (Quando as coisas invadirem o espírito, as
palavras apresentam-se em grande quantidade.") (MONTAIGNE, 2002, pg.253).
REFERÊNCIAS
MONTAIGNE, Michel de. Os
Ensaios: livro I;
tradução Rosemary Costhelk Abílio, 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emilio, ou, Da educação. 3.
ed. São Paulo: Difel, 2004.
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