Esse foi o título da mesa redonda que aconteceu no CED (Centro de Educação da UFSC). E disponibilizou aqui o texto que trabalhei durante o debate.
Qualquer coisa que eu fale
aqui como contraponto, ou posicionamento favorável à polícia, pode parecer a
favor da ditadura, em virtude do momento histórico que vivemos, mas isso está
longe de mim. Também gostaria de deixar claro que não concordo com a forma que
aconteceu toda a ação da polícia, principalmente por ter o NDI e o Flor do
Campos ao lado, mas também acredito que a conduta de estudantes, professores e
técnicos que estavam no local poderiam ser diferentes.
Minha bandeira não é
vermelha, azul ou verde... Não sou filiado a nenhum partido... E também não sou
coxinha, muito menos palyboy, às vezes a definição não nos define, aliás,
sempre é muito pouco, mas como todos gostam e acreditam que um partido deve ser
tomado, prefiro levantar a bandeira da educação, de alguém que participa desde
2003 do movimento estudantil, atualmente estudante de Pedagogia e Mestrando do
Programa de Pós Graduação em Educação.
Estou aqui hoje para
ponderar algumas afirmações e formas que todo esse movimento está tomando. O
ponto central é a questão da não generalização, citando Nietzsche, “qualquer
totalidade não consegue resumir a vida”, Cabe perceber que as coisas (política,
economia, polícia) não são os mesmos de 50 anos atrás, os estudantes de hoje,
assim como todo o movimento estudantil também está de outra forma, levanta
outras bandeiras, e não adiantará acreditarmos que nada mudou, nem mudará, pois
estar nesse mundo é permitir-se mudar o tempo todo, as transmutações do
espírito acontecem, constantemente, seja nos deveres, nos quereres, ou no criar
novas possibilidades, novos rumos e caminhos.
Será que realmente o caminho
é “[...] construir desde já uma
cultura de autodefesa no movimento estudantil [...]” como li em um dos diversos
textos que tem permeado as redes?
Isso me assusta um pouco, parece que estamos voltando a aplicar a “lei
de talião”, olho por olho e dente por dente. Amarrar as pessoas nos postes
parece estar sendo comum, será que está na hora de formarmos milícias populares,
ou quem sabe milícias estudantis? Qual seria a solução para tenta violência, e
aqui não estou falando apenas da física; mas comunas, coxinhas, playboy,
vagabundo, também são um tipo de violência, a verbal (principalmente quando
acontece de um grande grupo para um grupo menor), está violência por sua vez,
gera uma violência ainda pior: a psicológica, que consequentemente parece
formar um ciclo vicioso de violências.
Em 2013 tivemos 283 ocorrências registradas, o
segundo maior número perdendo apenas para 2011 com 313 ocorrências, significa
mais de uma ocorrência por dia letivo. Tivemos o maior índice de roubos, com
total de 26. Isso porque estamos falando apenas de registros realizados. Outro
número que assusta são as detenções, foram 51 em 2013, perdendo para 59 em 2008
e 53 em 2009. Os números relacionados com a violência continuam altos.
Parece que mais do que nunca uma ação negativa
reverbera muito mais do que dezenas de ações positivas. Sabe aquele papo, que
você pode fazer mil coisas boas, mas a ruim sempre terá maior destaque. Fumar
dentro da reitoria, ou pichar suas paredes atinge negativamente o movimento
estudantil, assim como amarildos e claudias do nosso dia a dia suja o nome da
polícia. Cabe lembrar que nem todos corroboram dessas atitudes. A mesma mídia
que critica o movimento estudantil por causa de um ou outro é a mídia que
repercutirá os desastres da polícia, principalmente se envolver morte com
bastante sangue.
Mas vamos pensar um pouco, existem padres
pedófilos, existem cuidadores que machucam os idosos, existem pais que na falta
de diálogo preferem bater nos filhos, assim como existem professores que
preferem “matar aulas” e polícias que “descem o cacete”. Mas também existe o
padre que auxilia, o cuidador que realmente cuida, os pais que tratam com amor
seus filhos, professores que são marcantes e policiais que exercem suas funções
dignamente.
Sim, existem policiais que exercem suas funções
adequadamente, não tem “ficha suja”, realizam apreensões e não ficam com o
dinheiro para eles, auxiliam a população na resolução de conflitos e acabam com
os problemas quando são convocados, em muitos casos sem precisar de tiros, ou
bombas. E quando falamos: “fora PM” é uma violência verbal, assim como ofender
alguém pela cor da pele, ou pela opção sexual (e não estou aqui para julgar
qual dessas violências verbais são maiores ou menores). Essa violência não
afeta apenas a instituição Polícia Militar, mas também a todos os pais de
família, que tem essa função como uma forma de sustentar e auxiliar no processo
formativo de seus filhos. Tenho certeza que a grande maioria dos policias não
escolhem essa profissão porque querem dar pancada ou tiros para todos os lados.
Estamos no centro de educação e algumas
atitudes radicais me assustam. Estamos em um período em que o regime militar
tem sido muito citado e lembrado, afinal são 50 anos, mas parece existir um
“saudosismo negativo”, lembramo-nos dos fatos, que muito aqui não vivenciaram, apenas
ouvimos a história de conhecidos, dos livros, ou professores, e estagnamos
nesse momento achando que hoje é exatamente dessa mesma forma que funciona,
fazendo com que as conquistas do movimento estudantil nem sejam percebidas, ou
será que no regime militar existira alguma ocupação na reitoria? Aliás, por que
essa ocupação não foi feita na policia federal? Por que não ocuparam ou prédio
da polícia federal? Por que não picharam o muro da polícia federal?
Estamos no centro de educação e acredito que
caso não possamos acreditar nas mudanças, no exemplo dado e principalmente que
as mudanças existem pautadas na construção coletiva de ideia e opiniões,
podemos dar as costas para esse centro e escolher outra formação.
Estamos no centro de educação e que bom seria,
citando Nietzsche “[...] ao
acordar, imaginar se nesse dia não podemos dar alegria a pelo menos uma pessoa.
Se isso pudesse valer como substituto do hábito religioso da oração, nossos
semelhantes lucrariam com tal mudança."
Talvez
nesses anos de participação do movimento estudantil esse é o momento mais
significativo e marcante, não devido às palavras entusiasmadas, não por tiros
ou bombas, não por causa de cigarros de maconha, mas sim por fazer as pessoas
pensarem o que acham ou deixam de achar sobre tudo que está acontecendo. Como
diria Mario Sérgio Cortella, momentos “graves também são momentos grávidos”,
são grávidos de possibilidades, de diálogos, de formação.
Mais uma vez diversos movimentos estão ecoando,
legalização das drogas “Tabaco ou
maconha, o que te envergonha? Eu não sou menos digno porque eu fumo maconha.”
(D2). O movimento feminista “Sou rainha do meu
tanque, sou pagu indignada no palanque.”
(Rita Lee). A luta contra o preconceito racial “Negro drama, cabelo crespo, e a
pele escura, a ferida a chaga, a procura da cura.” (Racionais). A luta contra o
preconceito sexual “Consideramos justa toda forma de amor” (Lulu Santos).
Como diria Camões “Mudam-se
os tempos, mudam-se as vontades.”
Alguns
atos que realizamos devem ser assumidos, pois eu posso roubar uma pessoa,
transar em local público, ou até mesmo abaixar a calça e defecar no meio da
rua, mas devo assumir as consequências caso seja pego. Isso também vale para
usar maconha, seja no carro, na praia, na frente de uma balada, ou no bosque na
UFSC. Enquanto for uma contravenção, devo estar ciente que preciso assumir e
arcar com as consequências.
Ao
mesmo tempo é fato que nem com todo esse tumulto, as ondas de violência e
roubos não pararam. No próprio dia 25/03 (durante a ação da polícia), um dos
agentes teve sua carteira roubada, com dinheiro e documentos, além de colete,
GPS e câmera. Dia 27/03, no CSE (Centro Sócio Econômico) roubaram uma moto, que
por sinal foi encontrada pela polícia dois dias depois.
O que tenho a dizer sobre a
policia?
Digo
que sou a favor de uma forma mais eficiente de segurança aqui na UFSC. Os
próprios alunos não serão capazes de realizar essa segurança, pelo menos eu não
estou disposto a andar com spray de pimenta (que alguns já têm), ou com taser,
muito menos com qualquer arma branca, ou arma de fogo e apenas colocar mais
iluminação não resolverá o problema, pois sabemos da quantidade de roubos e
furtos durante o dia.
Não
concordo com o controle de todos que entram e saem da
UFSC, uma vez que acredito que aquele espaço pertence a todos da comunidade.
Caso não consigamos achar uma solução plausível e adequada
acredito que é sim necessária a polícia e/ou a identificação das pessoas que
entram e saem, mas repito, essa deveria ser a última medida.
Estamos vivendo e nos deixando levar cada vez mais por esse mundo
acelerado. Estamos passando pela vida sem vivê-la. O contato com o outro fica
cada vez mais castrado ou distante e no instante que surge um contato
conflitante, parece existir a extrema necessidade de um confronto, para
extravasar de uma vez tudo aquilo que estava enclausurado. Isso acontece com
todos nós seja no encontro com alguém aqui na universidade, no transito, dentro
de uma sala de aula e também acontece com a polícia, seja no morro, na rua ou aqui
dentro da universidade. Com isso não quero defender a ação de ninguém quando
está ligada a violência, mas gostaria de deixar claro que em alguns momentos
não aguentamos a pressão e nos exaltamos, seja subindo em um carro, seja
falando de forma mais enérgica, ou com escudos, bombas e tiros, mais uma vez
não estou julgando qual ação é maior, menor, melhor ou pior.
Psicologicamente e pensando com Freud, o que aconteceu no dia
25/03 iniciou-se com um trabalho do “ego” (alias essa é uma estrutura do
aparelho psíquico que pode ser percebido com clareza, constantemente,
principalmente na área da educação), ou seja, o evento psíquico que ocorria era
determinado por eventos anteriores, no caso os fatos da ditadura.
Posteriormente o “id” entrou em ação, colocando para fora instintos, impulsos,
desejos e o “super ego” não tinha mais nada para mediar. O furacão já estava
formado. O que quero dizer com isso? Simplesmente que no calor das ações
algumas atitudes acabam sendo dominadas pelos impulsos.
Gostaria de dizer que em meio a todo esse movimento turbulento
existe um ponto central que parece claro, o processo formativo está acontecendo
e ele deve existir no campo do diálogo e dos conflitos, não dos
confrontos.
Citando Bob Marley "Quem é você para julgar a vida que vivo?
Eu sei que não sou perfeito - e nem vivo para ser perfeito - mas antes de
começar a apontar o dedo... tenha certeza de que suas mãos estão limpas!"
E finalizo com Mahatma Gandhi e Nelson Mandela, o primeiro diz que
"Só podemos vencer o adversário com o amor, nunca com o ódio [...] o amor
é a força mais abstrata e, também, a mais potente que há no mundo." E
Mandela dirá: “A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar
o mundo”
A violência não me representa!
Como diria a foto do perfil do facebook de uma das nossas
professoras “Vejo Esperança”, esperança aqui vista como verbo e não
substantivo, como diria Cortella “verbo esperançar é ir atrás, buscar, ter
persistência, ter paciência, ter resistência, mas acima de tudo, ter energia
para se movimentar na direção daquilo que se deseja” e acredito, diferente de
uma carta enviada por uma estudante ao fórum de graduação, que as flores podem sim
vencer o canhão, mas desde que o processo constante de formação humana
permaneça e que o diálogo prevaleça!
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