segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Histórias de Moradores de Rua



Ontem passei por uma experiência no mínimo diferente.

Estava na frente da escola que trabalho, sentado em um banco com três alunos esperando os outros chegarem e mais ou menos cinco metros ao lado estavam três moradores de rua.
Confesso que a primeira vista eles eram apenas bêbados, mexendo com todos na rua, mais especificamente um deles, os outros dois continuavam sentados, mas é claro que quando eles viram um cabeludo, barbudo logo ao lado decidiram que era uma boa chance de aproximação.
Quando vi o mais animado dos três se aproximar, admito que não estava nem um pouco afim de conversar, ou ouvir besteiras, mas ele chegou falando em inglês e vi nesse momento uma boa chance de continuar com o diálogo estrangeiro e dessa forma ele desistir de incomodar, mas para a minha surpresa ele entendia o que eu falava e minutos depois, ele já estava falando italiano.
Descobri que seu nome era Remi e após vários abraços que a todo o momento ele investia, decidi entrar na dança.
Conversava com Remi como se fosse um amigo, estava com vontade de descobrir mais sobre eles, saber mais da vida de cada um, os motivos deles estarem ali e ao mesmo tempo Remi mexia com todos na rua, até que eu decidi perguntar:
– Qual o seu emprego? – Niente – Mas como assim Remi, você é divertido, faz os outros rirem, isso é bom!
E mais uma vez Remi riu muito.
Confesso que aquele homem ali, com um leve bafo de pinga, cabelo bagunçado, roupas sujas me encantou e quando ele disse para eu ir conversar com os amigos dele eu não pensei duas vezes.
Ao chegar Remi falou:
- Duvido que vocês descobrem qual cantor é esse cara?
E então um deles (Sandro) que também estava sóbrio respondeu:
– Gabriel Pensador…
Remi mais uma vez me abraçou e disse:
– É é é …..É ele mesmo o Gabriel!!!
Nesse momento o terceiro (que estava bêbado) me olhou, abriu um sorriso e estendeu a mão para me cumprimentar.
Aos poucos fui descobrindo um pouquinho de cada um deles.
Remi havia sido tenente do exército, mas matou duas pessoas numa festa em Brasília, acabou ficando um tempo preso, foi afastado de exército e depois disso teve alguns outros empregos, mas decidiu ir pra rua.
Sandro tinha uma história parecia na questão de ter sido preso, mas ele cumpriu quatro anos e meio por tentativa de homicídio e saiu por bom comportamento, havia perdido sua mulher fazia cinco meses e disse que não voltava para casa, pois lá morreu seu pai, sua mãe, um de seus irmãos, ele não tinha boas lembranças.
Nesse momento Remi pegou no seu galo (mochila) um documento que realmente comprovava que ele tinha sido tenente do exercito e falava:
– Com isso aqui ninguém coloca a mão em mim.
E mais uma vez me abraçava.
Remi havia sido internado quinze vezes por causa do álcool, mas ele dizia:
– Lá eles tiram a bebida e enchem de remédios, prefiro minha bebida….hahahahaha
Ele contou que sua irmã estava com câncer e ele queria falar com ela, eu ofereci meu celular, tentamos ligar para a casa dela, mas ninguém atendeu, então ligamos para o celular de outro irmão, dessa vez com sucesso. O tenente morador de rua falou com seu irmão por mais ou menos seis minutos no final estava chorando e dizia:
– Wilson você é meu irmão mais novo, eu te amo muito, eu te amo… Tô falando com você com o celular do Gabriel Pensador, e graças a ele eu posso dizer que eu te amo meu irmão.
E ele chorava como criança, o que deixava os outros dois amigos um tanto quanto sentidos da mesma forma.
Enquanto Remi falava com o irmão, Sandro me contava que nunca tinha sido internado, mas uma vez o convenceram de que tinha um lugar bom em Brasília para que ele se tratasse, deram passagem e ele foi.
Ao chegar, ele passou dias a pão e água, decidiu que não ficaria mais naquele lugar e foi falar com a direção.
- Eu não quero mais ficar aqui. – O senhor terá que ficar oito meses conosco. – De jeito nenhum, quero minhas coisas pra ir embora.
E depois de muita conversa Sandro conseguiu sair, mas estava à deriva em Brasília, foi até a polícia para tentar conseguir uma passagem, mas foi em vão, falaram para ele ir ao Ceasa e foi onde ele conseguiu uma carona com um caminhoneiro desde que ele o ajudasse a carregar e descarregar o caminhão. Eles foram até Goiás, mas de lá ele teria que se virar para voltar para Santa Catarina.
Depois de muito andar ao ver uma mulher nosso “fugitivo” disse:
- A senhora tem um dinheiro pra me ajudar? Preciso voltar pra Santa Catarina.
E claro a mulher não deu o dinheiro, mas fez uma proposta.
– Se o senhor pintar minha casa te compro uma passagem para lá.
Nosso aventureiro não pensou duas vezes, pintou toda a casa da mulher e conseguiu voltar para sua terrinha.
Aos poucos ouvia as histórias, percebia a emoção de cada um deles e tentava compreender melhor tudo aquilo que eles passavam.
Será que eles são felizes? Confesso que me perguntei isso algumas vezes e acredito que apesar de todo o sofrimento psicológico que eles têm e isso é muito visível, acho que eles são felizes sim.
Muitas vezes temos um teto, uma cama, conforto, roupas, mas não somos felizes, e o pior de tudo, muitas vezes quando caímos não temos alguém para nos da a mão e nos ajudar a levantar, mas eles são sinceros amigos uns dos outros, como os três mosqueteiros, é sempre um por todos e todos por um.
Aquilo realmente me deixou tocado, perceber que apesar das dificuldades eles sempre estão juntos, em todos os momentos.
Outro ponto que me chamou a atenção eram as pessoas que passavam por ali, afinal era um horário em que todos saiam do trabalho. Elas olhavam para mim ali no meio daqueles três de uma forma um tanto quanto superior, como se eu não devesse estar ali com moradores de rua, mas o problema é que essas pessoas que passavam não imaginavam as lições que eu estava aprendendo naquele momento.
Acredito que “os mosqueteiros” foram covardes sim, pois não estão enfrentando suas dores reais e tentam esquecer isso com a bebida, mas foram muito corajosos por conseguir ir contra uma sociedade que valoriza muito mais o dinheiro do que o próprio ser humano e para mim isso é muito mais significativo do que qualquer fuga que eles se submeteram.
Você deve estar pensando:
– Existem outras formas de ir contra uma sociedade que tem como foco o dinheiro!
Com certeza, eu concordo com vocês, mas acredito que colocar um “galo” nas costas e sair andando por ai sem destino é o ponto mais extremo, por isso admiro esses homens que conheci, apesar de todas as suas fraquezas e dificuldades para superar alguns problemas.
Vocês devem estar pensando como acabou isso tudo e achar que no final eles me pediram um “trocadinho”, mas não foi isso que aconteceu. Um deles (o que estava mais bêbado) levantou e disse:
– Acho que chegou a hora de começar nossa caminhada pra próxima cidade! (Que seria Brusque, apesar de que eles iriam parar em várias outras durante o caminho).
Sandro respondeu:
– Não é fácil acharmos pessoas para conseguirmos conversar dessa forma, mas realmente temos que ir.
Remi:
– Também acho que devemos seguir nossa jornada e agradecer nosso novo amigo Gabriel Pensador.
Todos me deram um abraço antes de ir, eu disse para que eles tivessem cuidado e que um dia poderíamos nos encontrar para conversar um pouco mais sobre a sociedade e as histórias de vida que nós tínhamos.
Espero de coração que eles continuem essa jornada de conhecimento sobre a vida e que outras pessoas possam aprender um pouco com esses homens, sem nenhum preconceito, sem nenhum julgamento, apenas ouvindo e conhecendo novas pessoas com diferentes formas de viver.

Um comentário:

  1. Gu,muito bom, e muita coragem sua também!
    Quando vejo "pessoas nas ruas",penso:O que poderia fazer para ajudá-las?
    E diante desta pergunta sinto-me tão impotente que é melhor fechar os olhos como se nada estivesse acontecendo.Quando fecho meus olhos meu coração explode e sufoca dentro de mim uma dor...
    Mas como você bem mencionou,a escolha foi deles,mas por não aceitarem viver de acordo como a "maioria",decidiram andar por aí sem ter que dar satisfação a ninguém!
    Isso me levou a pensar muito também...
    Parabéns Gu

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