sexta-feira, 4 de abril de 2014

Estudantes e lutas sociais: O que temos a ver com isso?




Esse foi o título da mesa redonda que aconteceu no CED (Centro de Educação da UFSC). E disponibilizou aqui o texto que trabalhei durante o debate. 

Qualquer coisa que eu fale aqui como contraponto, ou posicionamento favorável à polícia, pode parecer a favor da ditadura, em virtude do momento histórico que vivemos, mas isso está longe de mim. Também gostaria de deixar claro que não concordo com a forma que aconteceu toda a ação da polícia, principalmente por ter o NDI e o Flor do Campos ao lado, mas também acredito que a conduta de estudantes, professores e técnicos que estavam no local poderiam ser diferentes.

Minha bandeira não é vermelha, azul ou verde... Não sou filiado a nenhum partido... E também não sou coxinha, muito menos palyboy, às vezes a definição não nos define, aliás, sempre é muito pouco, mas como todos gostam e acreditam que um partido deve ser tomado, prefiro levantar a bandeira da educação, de alguém que participa desde 2003 do movimento estudantil, atualmente estudante de Pedagogia e Mestrando do Programa de Pós Graduação em Educação.

Estou aqui hoje para ponderar algumas afirmações e formas que todo esse movimento está tomando. O ponto central é a questão da não generalização, citando Nietzsche, “qualquer totalidade não consegue resumir a vida”, Cabe perceber que as coisas (política, economia, polícia) não são os mesmos de 50 anos atrás, os estudantes de hoje, assim como todo o movimento estudantil também está de outra forma, levanta outras bandeiras, e não adiantará acreditarmos que nada mudou, nem mudará, pois estar nesse mundo é permitir-se mudar o tempo todo, as transmutações do espírito acontecem, constantemente, seja nos deveres, nos quereres, ou no criar novas possibilidades, novos rumos e caminhos.

Será que realmente o caminho é “[...] construir desde já uma cultura de autodefesa no movimento estudantil [...]” como li em um dos diversos textos que tem permeado as redes?

Isso me assusta um pouco, parece que estamos voltando a aplicar a “lei de talião”, olho por olho e dente por dente. Amarrar as pessoas nos postes parece estar sendo comum, será que está na hora de formarmos milícias populares, ou quem sabe milícias estudantis? Qual seria a solução para tenta violência, e aqui não estou falando apenas da física; mas comunas, coxinhas, playboy, vagabundo, também são um tipo de violência, a verbal (principalmente quando acontece de um grande grupo para um grupo menor), está violência por sua vez, gera uma violência ainda pior: a psicológica, que consequentemente parece formar um ciclo vicioso de violências.

Podemos ver esse reflexo em nossa universidade do tipo de violência mais comum:

Em 2013 tivemos 283 ocorrências registradas, o segundo maior número perdendo apenas para 2011 com 313 ocorrências, significa mais de uma ocorrência por dia letivo. Tivemos o maior índice de roubos, com total de 26. Isso porque estamos falando apenas de registros realizados. Outro número que assusta são as detenções, foram 51 em 2013, perdendo para 59 em 2008 e 53 em 2009. Os números relacionados com a violência continuam altos.

Parece que mais do que nunca uma ação negativa reverbera muito mais do que dezenas de ações positivas. Sabe aquele papo, que você pode fazer mil coisas boas, mas a ruim sempre terá maior destaque. Fumar dentro da reitoria, ou pichar suas paredes atinge negativamente o movimento estudantil, assim como amarildos e claudias do nosso dia a dia suja o nome da polícia. Cabe lembrar que nem todos corroboram dessas atitudes. A mesma mídia que critica o movimento estudantil por causa de um ou outro é a mídia que repercutirá os desastres da polícia, principalmente se envolver morte com bastante sangue.

Mas vamos pensar um pouco, existem padres pedófilos, existem cuidadores que machucam os idosos, existem pais que na falta de diálogo preferem bater nos filhos, assim como existem professores que preferem “matar aulas” e polícias que “descem o cacete”. Mas também existe o padre que auxilia, o cuidador que realmente cuida, os pais que tratam com amor seus filhos, professores que são marcantes e policiais que exercem suas funções dignamente.

Sim, existem policiais que exercem suas funções adequadamente, não tem “ficha suja”, realizam apreensões e não ficam com o dinheiro para eles, auxiliam a população na resolução de conflitos e acabam com os problemas quando são convocados, em muitos casos sem precisar de tiros, ou bombas. E quando falamos: “fora PM” é uma violência verbal, assim como ofender alguém pela cor da pele, ou pela opção sexual (e não estou aqui para julgar qual dessas violências verbais são maiores ou menores). Essa violência não afeta apenas a instituição Polícia Militar, mas também a todos os pais de família, que tem essa função como uma forma de sustentar e auxiliar no processo formativo de seus filhos. Tenho certeza que a grande maioria dos policias não escolhem essa profissão porque querem dar pancada ou tiros para todos os lados.

Estamos no centro de educação e algumas atitudes radicais me assustam. Estamos em um período em que o regime militar tem sido muito citado e lembrado, afinal são 50 anos, mas parece existir um “saudosismo negativo”, lembramo-nos dos fatos, que muito aqui não vivenciaram, apenas ouvimos a história de conhecidos, dos livros, ou professores, e estagnamos nesse momento achando que hoje é exatamente dessa mesma forma que funciona, fazendo com que as conquistas do movimento estudantil nem sejam percebidas, ou será que no regime militar existira alguma ocupação na reitoria? Aliás, por que essa ocupação não foi feita na policia federal? Por que não ocuparam ou prédio da polícia federal? Por que não picharam o muro da polícia federal?

Estamos no centro de educação e acredito que caso não possamos acreditar nas mudanças, no exemplo dado e principalmente que as mudanças existem pautadas na construção coletiva de ideia e opiniões, podemos dar as costas para esse centro e escolher outra formação.

Estamos no centro de educação e que bom seria, citando Nietzsche “[...] ao acordar, imaginar se nesse dia não podemos dar alegria a pelo menos uma pessoa. Se isso pudesse valer como substituto do hábito religioso da oração, nossos semelhantes lucrariam com tal mudança."

Talvez nesses anos de participação do movimento estudantil esse é o momento mais significativo e marcante, não devido às palavras entusiasmadas, não por tiros ou bombas, não por causa de cigarros de maconha, mas sim por fazer as pessoas pensarem o que acham ou deixam de achar sobre tudo que está acontecendo. Como diria Mario Sérgio Cortella, momentos “graves também são momentos grávidos”, são grávidos de possibilidades, de diálogos, de formação.

Mais uma vez diversos movimentos estão ecoando, legalização das drogas “Tabaco ou maconha, o que te envergonha? Eu não sou menos digno porque eu fumo maconha.” (D2). O movimento feminista “Sou rainha do meu tanque, sou pagu indignada no palanque.”  (Rita Lee). A luta contra o preconceito racial “Negro drama, cabelo crespo, e a pele escura, a ferida a chaga, a procura da cura.” (Racionais). A luta contra o preconceito sexual “Consideramos justa toda forma de amor” (Lulu Santos).

Como diria Camões “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.”

Alguns atos que realizamos devem ser assumidos, pois eu posso roubar uma pessoa, transar em local público, ou até mesmo abaixar a calça e defecar no meio da rua, mas devo assumir as consequências caso seja pego. Isso também vale para usar maconha, seja no carro, na praia, na frente de uma balada, ou no bosque na UFSC. Enquanto for uma contravenção, devo estar ciente que preciso assumir e arcar com as consequências.

Ao mesmo tempo é fato que nem com todo esse tumulto, as ondas de violência e roubos não pararam. No próprio dia 25/03 (durante a ação da polícia), um dos agentes teve sua carteira roubada, com dinheiro e documentos, além de colete, GPS e câmera. Dia 27/03, no CSE (Centro Sócio Econômico) roubaram uma moto, que por sinal foi encontrada pela polícia dois dias depois.

O que tenho a dizer sobre a policia?

Digo que sou a favor de uma forma mais eficiente de segurança aqui na UFSC. Os próprios alunos não serão capazes de realizar essa segurança, pelo menos eu não estou disposto a andar com spray de pimenta (que alguns já têm), ou com taser, muito menos com qualquer arma branca, ou arma de fogo e apenas colocar mais iluminação não resolverá o problema, pois sabemos da quantidade de roubos e furtos durante o dia. 
Não concordo com o controle de todos que entram e saem da UFSC, uma vez que acredito que aquele espaço pertence a todos da comunidade.
Caso não consigamos achar uma solução plausível e adequada acredito que é sim necessária a polícia e/ou a identificação das pessoas que entram e saem, mas repito, essa deveria ser a última medida. 

Estamos vivendo e nos deixando levar cada vez mais por esse mundo acelerado. Estamos passando pela vida sem vivê-la. O contato com o outro fica cada vez mais castrado ou distante e no instante que surge um contato conflitante, parece existir a extrema necessidade de um confronto, para extravasar de uma vez tudo aquilo que estava enclausurado. Isso acontece com todos nós seja no encontro com alguém aqui na universidade, no transito, dentro de uma sala de aula e também acontece com a polícia, seja no morro, na rua ou aqui dentro da universidade. Com isso não quero defender a ação de ninguém quando está ligada a violência, mas gostaria de deixar claro que em alguns momentos não aguentamos a pressão e nos exaltamos, seja subindo em um carro, seja falando de forma mais enérgica, ou com escudos, bombas e tiros, mais uma vez não estou julgando qual ação é maior, menor, melhor ou pior.

Psicologicamente e pensando com Freud, o que aconteceu no dia 25/03 iniciou-se com um trabalho do “ego” (alias essa é uma estrutura do aparelho psíquico que pode ser percebido com clareza, constantemente, principalmente na área da educação), ou seja, o evento psíquico que ocorria era determinado por eventos anteriores, no caso os fatos da ditadura. Posteriormente o “id” entrou em ação, colocando para fora instintos, impulsos, desejos e o “super ego” não tinha mais nada para mediar. O furacão já estava formado. O que quero dizer com isso? Simplesmente que no calor das ações algumas atitudes acabam sendo dominadas pelos impulsos.

Gostaria de dizer que em meio a todo esse movimento turbulento existe um ponto central que parece claro, o processo formativo está acontecendo e ele deve existir no campo do diálogo e dos conflitos, não dos confrontos. 

Citando Bob Marley "Quem é você para julgar a vida que vivo? Eu sei que não sou perfeito - e nem vivo para ser perfeito - mas antes de começar a apontar o dedo... tenha certeza de que suas mãos estão limpas!"

E finalizo com Mahatma Gandhi e Nelson Mandela, o primeiro diz que "Só podemos vencer o adversário com o amor, nunca com o ódio [...] o amor é a força mais abstrata e, também, a mais potente que há no mundo." E Mandela dirá: “A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”

A violência não me representa!

Como diria a foto do perfil do facebook de uma das nossas professoras “Vejo Esperança”, esperança aqui vista como verbo e não substantivo, como diria Cortella “verbo esperançar é ir atrás, buscar, ter persistência, ter paciência, ter resistência, mas acima de tudo, ter energia para se movimentar na direção daquilo que se deseja” e acredito, diferente de uma carta enviada por uma estudante ao fórum de graduação, que as flores podem sim vencer o canhão, mas desde que o processo constante de formação humana permaneça e que o diálogo prevaleça!